quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

História da Saúde | Sanatório Sousa Martins (1907-1974)


O Sanatório Sousa Martins, inaugurado a 18 de maio de 1907, foi o primeiro equipamento de saúde criado pela Assistência Nacional dos Tuberculosos, sendo o projeto inicial do complexo hospitalar da autoria do arquiteto Raúl Lino.
O Sanatório marcou bastante a história da cidade da Guarda a nível sócio-económico, devido à sua importância no combate e prevenção do problema da tuberculose em Portugal. Ao longo da sua existência tornou-se um equipamento de referência na área científica e social, tanto a nível nacional como internacional.
O complexo abrangia uma área de cerca de 27 ha sendo constituído por três pavilhões de internamento, quatro moradias bifamiliares, uma capela de estilo neo-gótico, residência da administração, lavandaria, pavilhão de Raio-X, e mais tarde, nos anos 1950, foi construído um novo pavilhão com capacidade de internamento para 300 doentes. Para além das edificações, o espaço, fechado ao exterior, incluía jardins e matas com várias espécies florestais, lagos, fontes, grutas e pontes de inspiração romântica.
O seu funcionamento regia-se segundo a famosa trilogia de Brehmer: “ Ar puro, repouso prolongado e alimentação substancial”.
No Sanatório foi, também, criado um Centro Educacional e Recuperador dos Internados cujo principal objetivo era orientar e ensinar aos doentes uma profissão adequada ao seu estado de saúde, o que permitia também ocupar o doente durante o longo período de internamento e criar meios auxiliares de subsistência da família. Neste contexto, foram surgindo no complexo, uma biblioteca, um salão para projeção de cinema, oficinas de serralharia, mecânica, marcenaria, relojoaria e de electrotecnia.
A necessidade de comunicação entre doentes levou à montagem de intercomunicadores e de um emissor, a partir do qual, era possível transmitir notícias, música e palestras para as restantes dependências do sanatório. Foram estas emissões, que estiveram na origem da Rádio Altitude, iniciada oficialmente a 29 de julho de 1948.
Após o encerramento do Sanatório Sousa Martins, em 1974, o espaço e edifícios passaram a ter diferentes ocupações, constituíndo o Parque de Saúde da Guarda.
Em 2004, o complexo do ex-Sanatório foi classificado como Imóvel de Interesse Público.




O Occidente, n.º 1005, 30 de novembro de 1906.

sábado, 14 de setembro de 2019

Museus | Programação Museológica



A programação museológica é essencial para definir a posição do museu no panorama atual e a pertinência da sua criação, sendo que a redação dos programas exige um entendimento e uma reflexão profunda sobre as necessidades do museu.
A evolução do conceito de museu e o aumento da sua complexidade tem levado os investigadores a utilizar estudos e métodos de programação já utilizados noutras empresas e instituições. Segundo Francisca Hernández poderemos definir programação como “a reflexão lógica que deve preceder a execução de um projeto”, sendo imprescindível para elaborar qualquer projeto museológico, seja na criação de um novo museu ou na reprogramação de um já existente. O resultado final deve ser a perfeita adequação entre o programa e todo o projeto.
Deve ter como base o estudo exaustivo e programação de três domínios fundamentais: pessoas, coleções e arquitetura. Estes três aspetos devem ser abordados em simultâneo quando se trata da criação de um novo museu. Para a sua formulação é necessário definir uma única e clara metodologia de trabalho e deve ser elaborado por uma equipa multidisciplinar, por profissionais das diferentes áreas de funcionalidade do museu.
A primeira etapa de programação consiste em descrever e analisar o que existe para posteriormente formular os objetivos. A análise deve recair, sobretudo, sobre a história do museu, o estado das coleções (natureza, inventário, política de incorporações, restauro), na localização do museu (o seu lugar na cidade e as redes de relações), e na análise de públicos e das atividades desenvolvidas.
Um programa museológico incide sobre as várias áreas e funções da instituição museológica sendo constituído pelo Programa Institucional, Programa de Coleções, Programa de Difusão e Comunicação, Programa Arquitetónico, Programa de Segurança, Programa de Recursos Humanos e Programa Económico. Todos os programas devem estar articulados entre si e deverão ser elaborados paralelamente até à abertura do museu. A conclusão da elaboração do Programa Museológico, no caso da criação de um museu, culmina na sua inauguração, no entanto, a sua abertura intensifica o desenvolvimento dos projetos museológicos, o Programa Museológico não poderá ser um documento estático, deve ser alvo de uma constante atualização e adaptar-se às novas exigências que a sociedade contemporânea impõe.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

História | A AEG

Quem não tem ou nunca teve um eletrodoméstico da AEG em sua casa? Já se perguntaram qual será a história desta empresa? Deixo-vos aqui um pequeno historial.
A AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft) foi uma das mais importantes empresas eletrotécnicas da Alemanha. Uma empresa que conseguiu subsistir durante todo o século XX e que mesmo em tempos de crise teve uma grande importância na economia alemã, sendo sempre sinónimo de qualidade e modernismo.
Em 1881, por ocasião da Exposição Internacional de Eletricidade, que teve lugar em Paris, o americano Thomas Edison apresentou a sua lâmpada de incandescência com todos os dispositivos necessários e as instalações de distribuição de corrente. O engenheiro e industrial Emilio Rathenau, compreendeu rapidamente as possibilidades ilimitadas das patentes de Edison e em 19 de abril de 1883 fundou a «Sociedade Alemã Edison para Aplicação da Electricidade» que mais tarde, em 1887, mudou a sua denominação para Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft (AEG).
Em 1884, estabeleceu a sua primeira fábrica em Berlim. Em rápida sucessão, a nova entidade instalou redes de iluminação, primeiro, na capital e depois noutras cidades alemãs.
No final do século XIX, na sua fábrica já se produziam alguns aparelhos eletrodomésticos. O Catálogo AEG correspondente ao ano de 1895 continha cerca de 60 modelos distintos.
 Uma das fortes características dos eletrodomésticos era seu design, nele estiveram envolvidos artistas e técnicos em estreita colaboração. O grande mentor do design de equipamentos na AEG, foi Peter Behrens, que trabalhou na empresa entre 1903 e 1914, tendo sido nomeado diretor artístico em 1907. Behrens representou o relacionamento crescente entre arte e a indústria no início do século XX. As suas primeiras pinturas e trabalhos gráficos foram influenciados pela Jugendstil, um movimento cultural alemão semelhante à Arte Nova, de finais do século XIX. Foi o primeiro “designer de empresa”, ou seja, o primeiro a ocupar-se de toda a imagem de uma companhia e do que ela projeta para o público. Behrens também assegurou que houvesse uma identidade em todos os outros elementos de produção da empresa, da arquitetura à publicidade.
A partir da década de 1950, os aparelhos eletrodomésticos deixam de ser artigos de luxo, restritos a uma classe mais abastada. Numa conjuntura de pós-guerra em que era necessário revitalizar a economia alemã, começaram a ser produzidos em série de uma forma mais estandardizada e massificada.
A produção em massa tornou os bens acessíveis a um mercado mais amplo, mas também deixou os operários das fábricas com um sentimento de alienação, pois o seu papel no fabrico reduziu-se a uma tarefa anónima e repetitiva.
A AEG soube adaptar os modelos de cada aparelho às exigências do tempo moderno. Foi necessário que as funções dos diferentes eletrodomésticos se submetessem, cada vez mais, aos imperativos da automatização para cumprir as exigências da racionalização das tarefas domésticas.
O sistema de produção em massa acabou por exercer uma influência permanente sobre o processo de design, com a padronização de peças de fácil montagem e a linha de montagem móvel. A padronização e a intercambialidade de componentes estabelecidos por Behrens foram cruciais para o sucesso da empresa que se baseou num design simples, mas elegante.
A AEG dissolve-se definitivamente em 1996, no entanto, é uma marca que continua no mercado, pois vendeu o seu património a outras empresas, entre elas a Electrolux, Siemens AG e Bombardier Transportation.


Fonte: AEG, 75 Anos (1958)

sexta-feira, 12 de julho de 2019

História | A invenção do secador de cabelo


Antes do aparecimento do secador de cabelo, várias técnicas pouco cómodas eram utilizadas na tentativa de secar e moldar os cabelos segundo os ideais de beleza da época.
O primeiro aparelho secador de cabelos foi inventado em 1890, pelo francês Alexandre Godefroy, para ser usado no seu salão de beleza, em Paris. Era uma espécie de touca quadrada de metal, ligada a um tubo flexível projetando sobre os cabelos ar quente de um fogão a gás. Este sistema permitiu que as mulheres secassem o cabelo mais rápido e que pudessem manter durante mais tempo os novos tipos de penteados. No entanto, a grande dimensão dessas máquinas não permitia que fossem usadas em contexto doméstico.
Já no século XX o sistema foi melhorado, adicionando uma resistência elétrica que transformava o ar frio que entrava, em ar quente à saída. A invenção do secador elétrico surge, assim, da combinação entre uma resistência idêntica à dos aquecedores e um motor semelhante ao dos aspiradores. É, portanto, uma invenção por combinação de outras invenções.
Secador eléctrico num Salão de beleza em Londres
Fonte: The Illustrated London News, 20 October 1928
O primeiro secador elétrico manual foi desenvolvido pela empresa alemã AEG (Allgemeine Elektricitäts-Gesellschaft). O secador produzido pela primeira vez tinha um barulho infernal, deitava nuvens de fumo e às vezes até faíscas, pesava dois quilos e o ar saia a uma temperatura de 90 graus sendo que o motor era colocado no punho.
A AEG atribui a denominação de Foen ou Fön à sua invenção tornando-se uma marca comercial registada na Alemanha, em 1909, para os secadores de cabelo produzidos pela empresa. Esta denominação tornou-se uma marca generalizada, transformando-se num termo standard para secador de cabelo em algumas línguas. O nome provém de um vento, vento Foehn, que resulta de um efeito que acontece ao ar nas zonas montanhosas, pois ao subir a encosta o ar arrefece e ao voltar a descer, aquece, sendo que existe um ganho de calor em relação à temperatura inicial.
Em 1910, os modelos já pesavam 1,8 kg com uma potência de 300 Watts (para comparação, hoje uma unidade padrão é de 300 gramas e tem cerca de 1200 Watts de potência).
Algumas fontes afirmam que é à empresa Sanitas, em Berlim, adquirida nos anos de 1950 pela AEG, que pertence a invenção do secador elétrico, inicialmente para uso na área médica, e que a empresa ao adquirir a Sanitas comprou todos os seus direitos comerciais, incluindo o registo da marca Foen.



Secador eléctrico de 1899

Fonte: Meyers Enzyklopädisches Lexicon  (1973)
De facto, o secador eléctrico não servia apenas para secar o cabelo. Em meados da década de 1920 é-nos descrito como um "dispositivo, com o ar quente que se dirige a uma parte circunscrita do corpo [...] contra doenças de pele, nevralgias, reumatismo muscular, etc; duração do tratamento 10 a 20 minutos” e como "aparelho eléctrico para secar o cabelo lavado [...] também para a evaporação de líquidos em laboratórios." (Brockhaus Handbook of Knowledge 2 (1926), p. 79).

                     Cartaz publicitário das Companhias Reunidas Gás e Electricidade da década de 1930

Fonte: Centro de Documentação – Museu da Electricidade

Outras fontes ainda atribuem a invenção a duas empresas americanas de Wisconsin em 1920, a Racine Universal Motor Company e a Hamilton Beach.
Esta falta de objetividade é característica de uma época em que as invenções tecnológicas davam os primeiros passos num contexto de concorrência industrial. A única forma de assegurar a invenção é proceder-se ao registo de patente que ainda não estava devidamente uniformizado a nível mundial, o que poderá gerar algumas controvérsias acerca do reconhecimento das invenções. O registo de patente permitia assegurar que a inovação tecnológica tenha um titular reconhecido, de modo que o inventor ou o licenciado possa usufruir de exclusividade de exploração por um determinado tempo.
Desde então, têm sido lançadas milhares de patentes de secadores de cabelo para equipamentos de diferentes modelos, mas a maioria delas só ajusta o visual externo para que o produto pareça esteticamente mais atraente. Com exceção da adição de algumas características de segurança, o interior de um secador de cabelo não mudou muito com o passar dos anos.
Os primeiros modelos de secadores elétricos de mão comercializados eram feitos de crómio, alumínio ou aço inoxidável e o cabo era feito de madeira, o que os tornava pesados e mais difíceis de manejar. Nos anos 1930, um novo material começou a ser utilizado, a baquelite, que é um plástico resistente ao calor e, além disso, pode ser moldado e assumir várias cores e feitios. A descoberta do plástico como material mais facilmente moldável, mais leve e mais atraente, permitiu criar uma maior variedade de formas e estilos, tendo sempre em conta o lado prático do invento.
Na década de 1950 os secadores de cabelo tornam-se cada vez mais populares. O "Original Foen" da AEG de 1959 apresentou-se no mercado a preços razoáveis ​​e com 800 gramas, sendo relativamente fácil de manusear.
Cartaz publicitário da AEG ao secador de cabelo
Data: 1958

Fonte: http://www.technikzuhause.de/

domingo, 23 de junho de 2019

A função educativa dos museus do século XIX


Os museus adquiriram o seu carácter público entre finais do século XVIII e início do século XIX, este processo implicou mudanças nas instituições originalmente imbuídas pelo espírito do coleccionismo privado, agora abertos ao público em geral.
Assim como as bibliotecas, os museus passam a ser conotados como espaços culturais de primazia, sendo vistos pelo poder político como um excelente recurso com funções educacionais e civilizadores da população, isto é, seriam locais de acesso público com uma função de educar e transmitir cultura sendo sinónimo de civilização.
Esta tendência é mais marcada em meados do séculos XIX em que os museus apresentavam uma função de dupla pedagogia, por um lado o contacto com os objectos museológicos (artísticos e científicos) tinha um efeito de enriquecimento e regeneração do intelecto e personalidade do visitante, e por outro lado, como eram locais frequentados por classes sociais altas, os comportamentos e o saber-estar destes, também estariam disponíveis a ser observados e apreendidos por um público menos habituado ao ambiente dos museus.
No entanto apesar do alargamento do acesso a toda a população, o museu continuava a ser frequentado, sobretudo por elites. Ainda que o objectivo educacional e civilizador do museu fosse querer chegar à população em geral, tal não se concretizava, pois na prática o museu não era frequentado por todas as classes sociais, continuando a dominar a presença das classes mais altas. O museu que pretendia uma homogeneização da sua função social, continuava a permanecer um local de diferenciação e divisão entre as classes sociais. Uma situação que só viria a começar a mudar já na segunda metade do século XX, quando ocorreram importantes mudanças ao nível da definição de educação e da importância que a função educativa assumiu nos museus. Deu-se, cada vez mais, um maior relevo ao experimentalismo para a aquisição de conhecimentos em detrimento de uma aquisição meramente teórica. Neste sentido, passou-se a incentivar a interactividade entre o visitante, os objectos e espaço museológico. 

Inauguração da Exposição Retrospectiva de Arte Ornamental, no Museu Nacional de Bellas Artes
Capa de "O Occidente", n.º 111 de 21 de janeiro de 1882

quinta-feira, 28 de março de 2019

Museu da Farmácia... Uma visita guiada


Uma visita guiada pelo Museu da Farmácia, em Lisboa, leva-nos numa viagem por mais de 5000 anos de história da saúde e da farmácia, através de objetos oriundos de civilizações e culturas distantes no tempo e no espaço.
Iniciamos esta viagem no Antigo Egipto perante o sarcófago de Irtierut, o filho de Pa-di- Her e Taremenubet.  Todo o ritual e processo de mumificação possibilitou um maior conhecimento sobre a anatomia e fisiologia do corpo humano, assim como o conhecimento das substâncias terapêuticas provenientes do reino vegetal, animal e mineral, que eram usadas na preparação e conservação do corpo.
Passando para a Grécia Antiga ficamos a saber que a grande conquista da medicina grega foi a sua procura de bases naturais para explicar a doença, as suas causas e tratamento, não sendo baseadas na religião, na magia ou superstição. Estando esta conquista ligada a Hipócrates (460-377 a. C.), que ficou conhecido como pai da medicina. Ele e os seus seguidores formaram a chamada escola Hipocrática, que fomentava uma explicação racional e empírica, opondo-se à abordagem religiosa e mágica da medicina.
No Império romano, o contributo caracterizou-se pela organização do conhecimento médico e farmacêutico através de várias obras e Galeno foi o mais notável autor da sua época.
Viajando para outro continente, chegamos às civilizações da América do Sul: Incas, Maias e Aztecas. O poder da cura, nestas civilizações estava estritamente ligado às figuras do feiticeiro e curandeiro, que faziam a mediação entre o mundo terreno e o espiritual, com os rituais e cerimónias a assumirem grande importância. Para além da ligação mágico-religiosa, estas civilizações tinham um grande conhecimento das propriedades e manipulação das plantas e outras substâncias naturais.
Avançamos, agora, alguns séculos no tempo e chegamos à Europa na Idade Média. É nesta época que se dá o aparecimento dos primeiros espaços fixos para a produção e venda de medicamentos, as boticas. Surgem sobretudo no centro das grandes cidades europeias, mas também se organizaram boticas em conventos e mosteiros, que muito contribuíram para o desenvolvimento da prática farmacêutica.
A expansão marítima portuguesa, iniciada no século XV, teve uma grande repercussão no desenvolvimento da ciência farmacêutica, com a descoberta de novas espécies vegetais, minerais e animais e com o contacto com outras civilizações, que proporcionaram a vinda, para a Europa, de drogas desconhecidas de grande interesse terapêutico e comercial.
Uma farmácia portátil
Nos séculos XVII e XVIII, deu-se o aparecimento da farmácia química. No início de seiscentos alguns medicamentos químicos já eram utilizados em Portugal, mas a sua utilização só foi aceite de forma mais pacífica em finais do século. Esta aceitação refletiu-se no aparecimento de literatura farmacêutica, até então praticamente inexistente. Nos finais do século XVII, também se assistiu a uma grande expansão do número de entradas na profissão farmacêutica. A aprendizagem dos saberes farmacêuticos era realizada nas boticas e depois de quatro ou mais anos de prática poderiam realizar o exame de acesso à profissão.
Foi finalmente no século XIX, que houve um maior desenvolvimento da farmácia em Portugal com criação e consolidação do ensino superior e com o fortalecimento do associativismo entre a profissão.
No século XX, as grandes descobertas na área da medicina tiveram um avanço sem precedentes. Exemplo disso foi descoberta da penicilina por Fleming, uma verdadeira revolução para a Humanidade.
A evolução das farmácias durante os vários séculos pode ser observada através de exemplos de estabelecimentos farmacêuticos recriados no espaço do Museu, desde o final do século XV até aos nossos dias. Reconstituições de autênticas farmácias portuguesas desde a antiga botica dos séculos XVIII, até à Farmácia Liberal do início do século XX. É de destacar a reconstituição de uma farmácia tradicional chinesa, oriunda de Macau do final do século XIX e de uma área dedicada à Farmácia Militar.
É sem dúvida um museu que não podem deixar de visitar!





Fotos: Ana Filipa Simões

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

História da Farmácia | Os “remédios de segredo”


Nos séculos XVII e XVIII, deu-se o aparecimento da farmácia química em Portugal. Químicos e destiladores estrangeiros que se estabeleceram no país, trouxeram consigo a produção de medicamentos preparados por arte química. No início de seiscentos alguns destes medicamentos já eram utilizados, mas houve alguma resistência à difusão destas técnicas, pois ainda havia uma predominância das doutrinas da farmácia galénica, baseada numa terapêutica de origem natural e em métodos tradicionais como purgas ou sangrias.
Foi só na primeira metade do século XVIII, que os medicamentos químicos se tornaram mais populares na forma de remédios secretos, tendo bastante aceitação por parte da população. Eram feitos principalmente por químicos, médicos, cirurgiões e até alguns boticários. Porém, os boticários que se dedicavam à sua produção eram uma minoria, pois a maior parte das boticas não tinha instalações e equipamentos necessários para a manipulação química, e continuavam a utilizar sobretudo as técnicas tradicionais.
Com o desenvolvimento da química farmacêutica começaram a comercializar-se cada vez mais substâncias químicas e até preparados galénicos. A "Teriaga Magna", a "Água da Rainha da Hungria", o "Óleo de Ouro", as "Pedras Cordiais" e o "Xarope Violado Roxo" são alguns nomes pelos quais ficaram conhecidos esses preparados.
A “Água de Inglaterra foi um dos remédios de segredo mais populares durante o século XVIII. Eram conhecidos por este nome vários preparados farmacêuticos, produzidos por diferentes fabricantes desde finais do século XVII até inícios do século XIX, que apresentam em comum serem vinhos de quina. Eram utilizados para o tratamento do paludismo, doença com bastante incidência em todo o território português, e começaram por ser importados de Inglaterra. Mais tarde, Castro Sarmento conseguiu organizar uma rede de distribuição da “Água de Inglaterra em Portugal e com o tempo, foram surgindo produtores locais que satisfaziam o aumento da sua procura.
Foi neste contexto de expansão dos rémedios de segredo que surgiu a publicidade a medicamentos. Pela primeira vez eram publicitados remédios considerados milagrosos que prometiam curar diferentes maleitas. Os anúncios eram publicados no periódico Gazeta de Lisboa e em cartazes impressos e fixados nas ruas. Eram medicamentos que se destinavam sobretudo ao consumo por auto-medicação.
Com a difusão das ideias iluministas, no reinado de D. José I e governo do Marquês de Pombal, assistiu-se à rejeição da prática da farmácia galénica e à condenação da produção de medicamentos de segredo.
Um grande desenvolvimento neste sentido foi a criação do curso de boticário na reforma Pombalina da Universidade de Coimbra de 1772. Era um curso integrado na Faculdade de Medicina, com a duração de quatro anos, com dois anos de aprendizagem de química no Laboratório Químico e dois anos de aprendizagem de arte farmacêutica no Dispensatório Farmacêutico.


Anúncio a um remédio secreto na Gazeta de Lisboa de 9 de junho de 1718
Consultada na Hemeroteca Digital



sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Uma breve história da farmácia em Portugal (séculos XIII – XIX)

Indissociável da história da medicina, a história da farmácia tem vários milénios, que remonta à origem da humanidade.
Em território português, certamente que a presença de vários povos, sobretudo dos árabes, deixou um vasto legado de conhecimentos na área da saúde, produção de drogas medicinais e comércio de especiarias, que terá chegado até à Idade Média.
Na Idade medieval, a utilização de especiarias, para fins terapêuticos era bastante comum, fazendo parte da composição de vários medicamentos e os boticários eram os especialistas na sua produção. Os primeiros boticários em Portugal terão surgido no século XIII, mas antes já existiam os denominados especieiros, vendedores ambulantes de especiarias e drogas medicinais. Boticários e especieiros coexistiram ainda durante um período incerto de tempo, mas a evolução da denominação terá a ver com o aparecimento de um estabelecimento fixo para a venda de medicamentos, a botica.
Botica do Real Convento de Tomar
A existência de mulheres boticárias foi uma particularidade portuguesa e um fenómeno singular na Península Ibérica. A primeira referência a uma boticária data de 1326, e mais tarde, nos séculos XV e XVI surgem outras referências de mulheres boticárias ao serviço de senhoras da alta nobreza. Também existiam boticas em conventos e mosteiros, que muito contribuíram para o desenvolvimento da prática farmacêutica, pois não se limitavam a fornecer somente as próprias ordens, vendendo medicamentos também ao público.
Em 1338, o rei D. Afonso IV promulgou um documento onde encontramos a primeira referência à profissão,  um diploma que obrigou todos os médicos, cirurgiões e boticários da cidade de Lisboa, a serem examinados pelos médicos do rei. Em 1449, D. Afonso V concedeu uma carta de privilégios aos boticários e em 1461, regulamentou a separação entre as profissões médica e farmacêutica. Este diploma instituiu que a venda de medicamentos seria exclusiva dos boticários. A única exceção foi concedida aos teriagueiros, caso fossem portadores de uma certidão médica atestando a boa qualidade da teriaga, um antigo antídoto para envenenamentos.
Regimento do Físico-mor do Reino (1521)
A expansão marítima portuguesa, iniciada no século XV, teve uma grande repercussão no desenvolvimento da ciência farmacêutica, com a descoberta de novas espécies vegetais, minerais e animais, que proporcionaram a vinda, para a Europa, de drogas desconhecidas de grande interesse terapêutico e comercial.
Foi durante o reinado de D. Manuel I, que se realizou uma grande reorganização da prática sanitária e farmacêutica em Portugal através do Regimento do Físico-mor do reino de 1521. Este diploma determinou a obrigatoriedade de um exame feito pelo físico-mor para todos aqueles que pretendessem exercer a profissão de boticário. Viria a ser o documento legal que regulamentava toda a atividade da  profissão farmacêutica até 1836. Todas questões relacionadas ao exercício da profissão farmacêutica eram reguladas pelo físico-mor do reino, desde o estabelecimento de preços dos medicamentos às inspeções feitas nas boticas. Para este cargo era escolhido, pelo rei, um dos médicos da sua casa.
A aprendizagem dos saberes farmacêuticos era realizada nas boticas e depois de quatro ou mais anos de prática poderiam realizar o exame de acesso à profissão. O nível técnico da produção de medicamentos não exigia uma formação em instituições de ensino próprias e a aprendizagem com um profissional estabelecido, o mestre, era a que correspondia a um ofício mecânico.
Os boticários portugueses dos séculos XVI a XVIII apresentam uma grande divisão entre cristãos-novos e cristãos-velhos. Muitos médicos e boticários eram descendentes dos judeus convertidos em cristãos-novos no reinado de D. Manuel I, sendo alvos preferenciais da intolerância religiosa. Este ódio aos cristãos-novos, era alimentado pela própria Igreja, que aliado ao grande peso da religião nas crenças terapêuticas, levava a que parte da população desconfiasse da ação de medicamentos dispensados por quem eles consideravam falsos cristãos.
Nos séculos XVII e XVIII, deu-se o aparecimento da farmácia química. No início de seiscentos alguns medicamentos químicos já eram utilizados em Portugal, mas a sua utilização só foi aceite de forma mais pacífica em finais do século. Esta aceitação reflectiu-se no aparecimento de literatura farmacêutica, até então praticamente inexistente. Nos finais do século XVII, também se  assistiu a uma grande expansão do número de entradas na profissão farmacêutica.
Apesar disso, houve alguma resistência à difusão das técnicas químicas. A maior parte das boticas não tinha instalações e equipamentos necessários para a manipulação química, e também não havia investimento nesse sentido. As dificuldades da farmácia portuguesa em acompanhar as transformações técnico-científicas da época, estavam relacionadas sobretudo com as características sócio-económicas dos boticários, considerada então uma profissão de ofício mecânico.
Na primeira metade do século XVIII, os medicamentos químicos foram popularizados na forma de remédios secretos, feitos principalmente por químicos, médicos e cirurgiões e tiveram muita aceitação em Portugal. Com os remédios de segredo nasceu a publicidade a medicamentos, em anúncios publicados no periódico Gazeta de Lisboa e em cartazes impressos fixados nas ruas. Estes medicamentos destinavam-se principalmente ao consumo por auto-medicação.
Em 1772, através da reforma pombalina na Universidade de Coimbra foi instituído o Dispensatório Farmacêutico do novo Hospital Escolar, para o ensino de farmácia a boticários e estudantes de medicina, e para produção de medicamentos.
Apesar de se publicar várias farmacopeias ao longo do século XVIII, só em 1794, durante o reinado de D. Maria I, é que Portugal teve a primeira farmacopeia oficial, a Pharmacopeia Geral.
Botica (1823)
Pintura de Jean-Baptiste Debret
Foi finalmente no século XIX, que houve um maior desenvolvimento da farmácia em Portugal com criação e consolidação do ensino superior e com o fortalecimento do associativismo entre a profissão. O associativismo farmacêutico surgiu de um movimento geral contra o cargo de físico-mor, que era quem ainda dominava toda a regulamentação da atividade farmacêutica. Em 1834, foi apresentada pelos farmacêuticos uma petição e como consequência foram suspensas as funções do físico-mor. Em 1835, na botica do Hospital de S. José, foi criada a primeira associação especificamente farmacêutica, a Sociedade Farmacêutica Lusitana.
Em 1836, nasceu o ensino superior farmacêutico, com a criação das Escolas de Farmácia anexas à Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e às Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e Porto. Mas também foi mantido o antigo acesso à profissão, através de um exame final realizado na Faculdade e nas Escolas Médico-Cirúrgicas após oito anos de prática numa farmácia, havendo assim duas categorias de farmacêuticos, de 1.ª e de 2.ª classe. Esta distinção vigoraria até 1902, ano em que se determinou por lei a obrigação de todos os candidatos a farmacêuticos, frequentarem o Curso de Farmácia.
Foi na última década do século XIX, que a indústria farmacêutica iniciou o seu desenvolvimento em Portugal. A primeira indústria farmacêutica de grande dimensão foi Companhia Portuguesa Higiene, fundada em 1891. A partir de então, assistiu-se a uma a proliferação de fabricantes de especialidades farmacêuticas.
Foi também no século XIX, que surgiu a primeira grande obra de investigação sobre história da farmácia em Portugal, da autoria de Pedro José da Silva (1834-1878), a História da Pharmacia Portugueza desde os primeiros séculos da monarchia até ao presente, uma obra de notável dimensão publicada entre 1866 e 1868.
 
Farmácia do século XIX
Museu da Farmácia de Lisboa

Bibliografia:
Museu da farmácia URL https://www.museudafarmacia.pt
A Botica do Real Convento de Thomar URL http://www.boticaconvento.ipt.pt
Pita, João Rui, História da Farmácia. Coimbra: Minerva Coimbra, 2007
Cabral, Célia e Pita, João Rui, Sinopse da História da Farmácia. Cronologia. Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, 2015