terça-feira, 28 de abril de 2015

Museus | A documentação museológica

         Nos museus, a documentação das coleções é vital, pois o ato de colecionar retira os objetos do seu contexto e função original. Esta descontextualização exige a recolha e preservação de informação não intrínseca sobre o objecto como, de onde vem, onde foi encontrado ou o seu uso, sendo da responsabilidade da instituição que o incorpora. É necessário recolher e conservar informações precisas relativas a todas as suas coleções de qualquer natureza, sejam objetos de arte, de história, de arqueologia, etnografia, ciência, etc. Estas informações sob forma de registo, fichas, listas ou dossiers, constituem para cada serviço do museu, instrumentos documentais indispensáveis para facilitar a gestão de coleções e permitem a sua interpretação e estudo.
        No entanto, muitos museus têm coleções pouco documentadas e os objetos perdem muito da sua função com a perda de informação associada. O aumento de conhecimento e do valor da documentação só beneficia a instituição, pois a sua investigação e registo documental permite que no futuro já não se enfrente o problema da pouca ou ineficiente documentação e, isso assegura que os objetos que se colecionam serão melhor usufruídos pelas gerações futuras. Por estas razões é fundamental o inventário de todas as peças do acervo assim como a sua constante atualização. 
Segundo a Lei-Quadro dos Museus Portugueses, o inventário museológico “é relação exaustiva dos bens culturais que constituem o acervo próprio de cada museu, independentemente da modalidade de incorporação.” (Art. 16º) Pretende-se com o inventário identificar e individualizar cada objeto museológico e integrar a documentação a ele associado. 
     O inventário deve ser complementado por documentação ou seja, por registos que possibilitem aprofundar e disponibilizar informação sobre as peças que integram o museu, bem como acompanhar e historiar o processo ao qual foi sujeito dentro da instituição museológica desde a sua incorporação.
As fichas de inventário devem conter as informações base à disposição de todos os investigadores. O seu carácter polivalente lhe conferirá um grande valor de informação para os investigadores exteriores e uma utilização a longo prazo. Contudo, é necessário ter em conta que as descrições muito detalhadas tornam-se fastidiosas e acabam por comprometer o registo de inventário e conter uma informação muito fragmentada que pode dificultar a sua utilização pelo investigador.
        A elaboração de uma ficha de inventário deveria ser feita por diferentes profissionais e não apenas por um, ou seja, consoante a peça em questão deveria passar por uma equipa multidisciplinar de historiadores de arte, historiadores ou antropólogos e conservadores-restauradores, para um maior rigor da informação disponível.
       A administração das coleções nunca foi tarefa fácil, mas nas últimas décadas o trabalho parece ter-se complicado devido ao crescimento dos fundos nos museus, por serem organismos em contínua expansão e sobretudo pela procura de informação da sociedade atual. Muitos museus vêem-se confrontados com estes desafios perante coleções bastante diversificadas e com pouco historial de registo.
        A grande variedade de coleções e a grande dificuldade de os catalogar tornou árdua a procura de uma uniformização dos inventários e com o surgimento de novas tipologias de objetos museológicos a tarefa dificulta-se. Foram, sobretudo, os inventários informatizados que ocasionaram esta reflexão e reorganização das normas de inventário, pois com o desenvolvimento da informática e generalização, para além da informatização dos inventários dos museus, permitiram a sua colocação em rede e a sua acessibilidade via internet. 
        Neste contexto, as ferramentas tradicionais para a gestão e armazenamento da informação (fichas; ficheiros; índices, livros de registo) vêm-se desprezadas pelas novas tecnologias devido ao grande armazenamento da informação textual e de imagens que possibilitam as tecnologias ópticas e ao acesso à informação massiva. Contudo, esta documentação museológica deve ser preservada e, segundo a Lei-quadro dos Museus Portugueses, é considerada património arquivístico de interesse nacional pela sua importância e valor para a história dos museus e dos seus acervos.
        A documentação inerente às coleções dos museus possui, desta forma, diferentes usos. É indispensável para a própria atividade do museu, visto ser necessária para concretizar as suas funções mais básicas como a conservação, exposição e difusão ao público. Para além da disposição ao público pela exposição o museu deve também tornar acessíveis as suas colecções aos investigadores para que o museu seja realmente um centro de investigação. Não só internamente mas também tornar a documentação acessível a outros especialistas fora do museu para a própria investigação. A documentação também permite demonstrar a propriedade legal das colecções. Tem sido uma preocupação a necessidade de elaboração de instrumentos documentais como registo e inventário onde se coloque detalhadamente a forma de aquisição e a proveniência. E na luta contra o tráfico ilícito, a informação é crucial para a protecção de objectos culturais. É importante para a sua recuperação em caso de roubo que tenha sido documentado adequadamente. Estas facetas demonstram a importância que tem ganho a informação e a documentação museográfica nas últimas décadas.







quinta-feira, 9 de abril de 2015

Museus | As origens dos ecomuseus

       O conceito de ecomuseu consolida-se nos anos 70 do século XX em França com os importantes contributos de George Henri Riviére e Hugues de Varine, duas personalidades que se destacam no panorama museológico francês. No entanto, as origens da concepção que contribuíram para o surgimento dos ecomuseus remontam à segunda metade do século XIX, quando se criam museus de Arte e Tradições Populares um pouco por toda a Europa que, lançam as bases para o aparecimento dos museus ao ar livre, de maior incidência nos países escandinavos. Este crescente interesse pela cultura popular e pela sua preservação, surge como consequência da conjuntura política e socioeconómica da época: exaltação dos nacionalismos e a crescente industrialização e urbanização que incita os movimentos de êxodo rural.
Foram várias as influências que contribuíram para o aparecimento dos ecomuseus a partir dos anos 60 do século XX.
          Durante os anos 60 e 70 do século XX assiste-se a uma série de mudanças que levaram o museu a uma crise de identidade e com ela surgem novas experiências museológicas associadas à Nova Museologia. A ideia principal desta nova corrente museológica prende-se com um novo conceito de museu, entendido como um instrumento necessário ao serviço da sociedade em rápida mudança. Deste ponto de vista, tenta-se desenvolver um museu vivo, participativo que se define pelo contato direto entre o público e o património mantido no seu contexto original. Pretende-se um “museu sem paredes” com uma concepção mais extensiva de património. A este tipo de instituições atribuiu-se, então, o termo de ecomuseu pelas suas características ligadas à conservação do meio natural e social.
O nascimento dos ecomuseus está estritamente ligado às transformações da sociedade francesa dos anos 1960. O desenvolvimento de uma política de gestão do território criou as condições favoráveis à sua realização e os ecomuseus alimentaram-se de novas preocupações que apareceram na sociedade, ligadas ao êxodo rural, à baixa do nível de vida das zonas rurais quase desabitadas, ao aumento da população e da sua concentração nas grandes cidades.
         Estas orientações tiveram um amplo eco que demonstra a difusão do ecomuseu, desde França a outros países europeus. Países como a Suécia, Espanha e Portugal que sobressaem pela sensibilidade e interesse acerca da museologia e ecologia, contando com alguns dos ecomuseus mais representativos.
          Em Portugal, depois da revolução de Abril de 1974, multiplicaram-se as iniciativas culturais, dentro da perspectiva do pluralismo cultural. Começou-se a falar da possibilidade de criar um ecomuseu em 1979 quando surge a ideia do projeto do Parque Natural da Serra da Estrela. As intenções do Ecomuseu da Serra da Estrela era transformar-se num projeto nacional e não ter apenas influência no território e comunidade onde se inseria. Esta sua ambição ia para além do conceito e organização do sistema museológico português. Apesar do fracasso do Ecomuseu do Parque Natural da Serra da Estrela, a partir do início da década de 80 a vida museal portuguesa beneficiou de alterações inovadoras, que se traduziram em novas práticas museológicas, no alargamento do conceito de património museológico, na renovação e criação de novos museus.
        Estes novos museus não se propuseram, simplesmente à acumulação de coleções, mas sim à utilização dos testemunhos tangíveis e intangíveis do património cultural que contribuiu para a compreensão, explicação e experiência da realidade social, económica e histórica que modelaram as diversas comunidades.
           Estas pequenas intervenções de carácter museológico revelaram-se inovadoras, porque permitiram salvaguardar e valorizar recursos locais, naturais e culturais, promovendo o saber fazer tradicional, ao mesmo tempo que deram um novo uso local e didático a esses bens.
          Entre as várias iniciativas que se criaram na década de 80, destacam-se o Ecomuseu Municipal de Seixal, o Museu Etnológico de Monte Redondo, o Museu Municipal de Benavente, o de Alcochete, o Museu Rural e do Vinho de Cartaxo e a Vila Museu de Mértola. Em todos eles existe uma sede central, na qual existe uma exposição permanente e departamentos auxiliares do ecomuseu, responsáveis pela recolha, conservação e restauro, investigação, documentação, reservas e pela organização de exposições temporárias e outras atividades educativas. O núcleo central é um ponto de partida para os restantes núcleos que possam existir, assim como para itinerários ecomuseológicos, distribuídos pelo território de influência do ecomuseu. Estas unidades permitem, não só a descentralização das atividades e das instalações, mas também a participação da população na conservação e na nova utilização in situ das construções e objetos que constituem o património local. Neste sentido, as populações locais participam na atividade do museu, que pode ir desde a doação de objetos, testemunhos e informações acerca dos utensílios, a conservação e restauro de peças, participação em trabalhos de estudo e em atividades de animação.
       
       De que forma este museus singulares, característicos de uma época e de uma determinada conjuntura, poderão fomentar-se e adaptar-se, no futuro, na nossa sociedade?

     O surgimento do conceito de ecomuseu é característico de uma época em que a museologia sofria grandes mudanças e dava-se maior importância ao papel do museu na sociedade.
       O equilíbrio entre a conservação e a animação não é suficiente para definir o ecomuseu, a maioria dos museus tradicionais também o alcançaram desde há muito tempo. A sua originalidade reside na preocupação social em conjunto com as preocupações ecológicas, no seu princípio de territorialidade bem definida, e na fundamental participação ativa da comunidade onde se insere.
       O ecomuseu refutava a ideia definida do museu universal, imutável no tempo e no espaço, em oposição defendia formas específicas através das quais cada micro sociedade objetivava o seu património com uma concepção mais extensiva.
     Delineou-se uma visão diferente de museu, mas que, no entanto, não deixou de receber influências da visão da nova museologia e da ecomuseologia, que de certa forma ainda permanecem, contudo, é uma visão que sofreu algumas metamorfoses ao longo do tempo.