sábado, 15 de maio de 2021

História da Fotografia | Carte-de-visite

 

Carte-de-visite
Inácio Simões Fresco (c. 1911)
Photographia Sequeira - Santarém
Coleção privada da família Simões
 
A carte-de-visite, ou em tradução para português, cartão de visita, é a designação atribuída a um antigo formato de provas fotográficas, patenteado em 1854 pelo fotógrafo francês André Adolphe Eugène Disdéri.

Disdéri desenvolveu um processo com uma câmara fotográfica com quatro lentes que obtinha oito retratos numa só chapa de vidro, em que as primeiras quatro imagens eram expostas, a chapa deslizava e permitia a exposição de outras quatro. A redução do formato permitia a captação de um maior número imagens em série e, por consequência, uma redução de custos. Não era propriamente uma inovação técnica, mas sim uma inovação comercial que marcou a massificação do retrato fotográfico. Geralmente, era uma prova de albumina com um formato retangular e tamanho diminuto de cerca de 5,4 por 8,9 centímetros que era colada em cartão rígido um pouco maior por volta dos 6,4 por 10,5 centímetros.

Seguindo as tendências de popularidade noutros países devido aos seus preços mais baixos, a carte-de-visite tornou-se também bastante popular em Portugal na década de 1860, concedendo à pessoa fotografada um certo estatuto de distinção social. O retrato fotográfico outrora restrito à aristocracia passou a estar acessível à pequena burguesia. Tornou-se, por isso, prática a sua distribuição e troca entre familiares e amigos, sendo usual conterem pequenas dedicatórias manuscritas. Também se compravam carte-de-visite de figuras célebres, em Portugal, por exemplo, era frequente vender-se fotografias de membros da família real. Desta forma, surgiu o hábito de ter álbuns fotográficos ornamentados onde figuravam tanto retratos de familiares e amigos como de celebridades.

Como a carte-de-visite pretendia transmitir um certo estatuto social, o fotógrafo deixou de focar apenas o rosto começando a retratar o busto, meio corpo e corpo inteiro, levando para a prática fotográfica referências estéticas e sociais da aristocracia, através da utilização de cenários, mobiliário e adereços que dispunha no seu estúdio, e pela imitação da pose e gestualidade próprias das elites. Inicialmente, o retrato de estúdio era predominantemente individual, mas passou a ser feito também coletivamente com familiares, amigos, grupos sociais e até profissionais.

Alguns fotógrafos utilizavam a frente, mas sobretudo o verso das carte-de-visite para inscrever informação sobre o seu estúdio como meio de promoção, divulgando o nome e o endereço do seu estúdio e muitas vezes o seu percurso profissional, dando destaque a prémios obtidos.  Devido ao prestígio já associado, alguns fotógrafos mantinham a designação do estúdio anterior e assumiam-se como seus sucessores até conseguirem afirmar-se em nome próprio. Uns optavam por inscrições simples e subtis outros atribuíam um caráter mais artístico ao apresentar a informação com uma grafia estilizada e ornamentada, com a utilização de monogramas, medalhas, brasões ou até motivos de inspiração neoclássica ou art nouveau e frases simbólicas. Criar uma imagem de marca do estúdio fotográfico era símbolo de elegância e prestígio.

As carte-de-visite foram evoluindo de importância e os fotógrafos foram melhorando e enriquecendo o formato. A partir de 1870, surgiu uma nova variação conhecida como carte-cabinet, que foi destronando gradualmente a carte-de-visite. Era tecnicamente semelhante, porém apresentava dimensões maiores em que as provas tinham cerca de 9,5 por 14 centímetros montadas sobre cartões rígidos com cerca de 11 por 16,5 centímetros. Ao longo do tempo, foram surgindo outros formatos com variações de tamanho: Mignon (4 x 5,7 cm), Victoria (8,3 x 12,2 cm), Promenade (10,8 x 21 cm), Boudoir (13,4 x 21,5 cm), Imperial (17,5x25 cm).

As carte-de-visite e as suas variações, popularmente utilizadas até por volta de 1920, revelam-se verdadeiros testemunhos históricos, fundamentais tanto para a construção do percurso e técnica dos fotógrafos e estúdios fotográficos como para a caraterização do comportamento, aspeto e indumentária da alta sociedade da época.

 

Cronologia das carte-de-visite:

1854-1865

·         A foto é cortada para ser colada num suporte de cartão flexível.

·         O cartão é branco e muito fino (cerca de 0,5 mm de espessura).

·         Os quatro cantos da cartolina são em ângulos retos.

·         As informações no verso são muito curtas, escritas em preto ou carimbadas.

·         O nome e endereço do fotógrafo são pequenos.

·         A pessoa é fotografada de corpo inteiro.

1866-1875

·         A fotografia é recortada para ser colada num suporte de cartão.

·         O cartão é branco ou de cor clara: de 1861 a 1866, muitas vezes é cinza-claro ou castanho, de 1869 a 1873, muitas vezes é amarelo, depois de 1873 aparecem as cores pastel.

·         No verso, aparecem cores suaves com tintas de impressão (vermelho, roxo, verde, amarelo, etc.).

·         O cartão é mais espesso (cerca de 0,5 a 0,75 mm de espessura).

·         Os ângulos tornam-se arredondados.

·         Muitas vezes, uma linha ténue de cor emoldura a foto.

·         O nome e o endereço do fotógrafo estão maiores, e algumas das suas credenciais e medalhas são mencionadas.

·         Os prémios obtidos na Exposição Universal de 1867 são geralmente listados.

1876-1890

·         O cartão ainda é mais grosso (mais de 1 mm), os cantos às vezes são arredondados.

·         O papel fotográfico é vendido pré-cortado em formato de cartão fotográfico.

·         As imagens às vezes são rodeadas por uma decoração.

·         O cartão é chanfrado e frequentemente dourado, especialmente a partir de 1890.

·         Em 1875, surgem as fotografias abobadadas para dar sensação de maior volume.

·         No verso é frequentemente legível, em cor brilhante, os termos “Fotografia artística”, “Fotografia moderna”, “Fotografia universal”, etc., em letra gótica.

·         No verso volta a utilizar-se algumas cores pastel após 1895.

·         Em 1885, a assinatura torna-se maior.

·         As técnicas profissionais utilizadas são referidas: estúdio com luz elétrica, impressão a carvão, etc.

1890-1920

·         O cartão é sempre muito grosso (geralmente mais de 1,5 mm).

·         Os ângulos ficaram retos novamente.

·         O verso contém bastante informação e de todos os tipos.

·         Surgem as leis de proteção aos direitos autorais contra a reprodução ilegal.

·         A assinatura do fotógrafo ou carimbo em relevo aparece na fotografia.

·         Em contrapartida, alguns fotógrafos optam pela sobriedade e não escrevem nenhuma informação no verso e oferecem, na capa do cartão, apenas o seu nome e a cidade onde se encontram.

·         Por volta de 1910, a frente do papelão costumava apresentar textura granulada e a decoração tornava-se mais sóbria.

 

Exemplo de carte-de-visite reproduzida em Inventa MUSEU – Revista da Secção de Inventário, n.º 7, 2018, p. 37


Bibliografia:

PESSOA, Georgina Pinto – “Cartões de visita: Design e mensagem” in Inventa MUSEU – Revista da Secção de Inventário. Lamego: Museu de Lamego, n.º 7, 2018. pp. 49-62. Disponível na internet: <URL https://museudelamego.gov.pt/investigacao/revistas/>.

LIMA, Aline, Moisés Martins, Madalena de Oliveira - Do carte de visite ao snapshot digital: O retrato fotográfico e as representações de si. VII Congresso SOPCOM - Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação, Universidade do Porto, 15 a 17 de dezembro de 2011.

GASTAMINZA, Félix del Valle – “La carte de visite: el objeto y su contexto” in Cartes de visite, retratos del siglo XIX en colecciones riojanas. Madrid: Universidad Complutense de Madrid, 2013, p. 11-32.

BOISJOLY, François - Histoire de la Photo-carte de visite. 2007. Disponível na internet: <URL http://web.archive.org/web/20080112095841/http://photocarte.ish-lyon.cnrs.fr/Document_Photocarte.php>.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Carnaval de 1920

 A conjuntura do pós I Guerra Mundial e da gripe pneumónica, que ainda fazia vítimas em Portugal, não permitiu que no Carnaval de 1920, comemorado a 17 de fevereiro, houvesse grande folia, característica desta data.

"Foi triste e monotono entre nós, o Carnaval este ano, como de resto o foi em toda a parte. Acabaram as danças, as parodias, as cégadas, e já não se pode transitar nas ruas mascarado."
Ilustração Portuguesa, n.º 732 (1 março 1920)
"Enfim, em toda a parte este ano Carnaval não teve grande animação. E nem os tempos que atravessamos são de rasgada folia."
Ilustração Portuguesa, n.º 733 (8 março 1920)









Fontes consultadas em Hemeroteca Digital de Lisboa (http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/)