Carte-de-visite Inácio Simões Fresco (c. 1911) Photographia Sequeira - Santarém Coleção privada da família Simões |
Disdéri desenvolveu um processo com uma câmara
fotográfica com quatro lentes que obtinha oito retratos numa só chapa de vidro,
em que as primeiras quatro imagens eram expostas, a chapa deslizava e permitia
a exposição de outras quatro. A redução do formato permitia a captação de um
maior número imagens em série e, por consequência, uma redução de custos. Não
era propriamente uma inovação técnica, mas sim uma inovação comercial que
marcou a massificação do retrato fotográfico. Geralmente, era uma prova de
albumina com um formato retangular e tamanho diminuto de cerca de 5,4 por 8,9 centímetros
que era colada em cartão rígido um pouco maior por volta dos 6,4 por 10,5
centímetros.
Seguindo as tendências de popularidade noutros países
devido aos seus preços mais baixos, a carte-de-visite tornou-se também bastante
popular em Portugal na década de 1860, concedendo à pessoa fotografada um certo
estatuto de distinção social. O retrato fotográfico outrora restrito à
aristocracia passou a estar acessível à pequena burguesia. Tornou-se, por isso,
prática a sua distribuição e troca entre familiares e amigos, sendo usual conterem
pequenas dedicatórias manuscritas. Também se compravam carte-de-visite
de figuras célebres, em Portugal, por exemplo, era frequente vender-se
fotografias de membros da família real. Desta forma, surgiu o hábito de ter
álbuns fotográficos ornamentados onde figuravam tanto retratos de familiares e
amigos como de celebridades.
Como a carte-de-visite pretendia transmitir um
certo estatuto social, o fotógrafo deixou de focar apenas o rosto começando a
retratar o busto, meio corpo e corpo inteiro, levando para a prática fotográfica
referências estéticas e sociais da aristocracia, através da utilização de
cenários, mobiliário e adereços que dispunha no seu estúdio, e pela imitação da
pose e gestualidade próprias das elites. Inicialmente, o retrato de estúdio era
predominantemente individual, mas passou a ser feito também coletivamente com
familiares, amigos, grupos sociais e até profissionais.
Alguns fotógrafos utilizavam a frente, mas sobretudo o
verso das carte-de-visite para inscrever informação sobre o seu estúdio
como meio de promoção, divulgando o nome e o endereço do seu estúdio e muitas
vezes o seu percurso profissional, dando destaque a prémios obtidos. Devido ao prestígio já associado, alguns
fotógrafos mantinham a designação do estúdio anterior e assumiam-se como seus sucessores
até conseguirem afirmar-se em nome próprio. Uns optavam por inscrições simples e
subtis outros atribuíam um caráter mais artístico ao apresentar a informação
com uma grafia estilizada e ornamentada, com a utilização de monogramas,
medalhas, brasões ou até motivos de inspiração neoclássica ou art nouveau
e frases simbólicas. Criar uma imagem de marca do estúdio fotográfico era
símbolo de elegância e prestígio.
As carte-de-visite foram evoluindo de
importância e os fotógrafos foram melhorando e enriquecendo o formato. A partir
de 1870, surgiu uma nova variação conhecida como carte-cabinet, que foi
destronando gradualmente a carte-de-visite. Era tecnicamente semelhante,
porém apresentava dimensões maiores em que as provas tinham cerca de 9,5 por 14
centímetros montadas sobre cartões rígidos com cerca de 11 por 16,5 centímetros.
Ao longo do tempo, foram surgindo outros formatos com variações de tamanho: Mignon
(4 x 5,7 cm), Victoria (8,3 x 12,2 cm), Promenade (10,8 x 21 cm),
Boudoir (13,4 x 21,5 cm), Imperial (17,5x25 cm).
As carte-de-visite e as suas variações, popularmente
utilizadas até por volta de 1920, revelam-se verdadeiros testemunhos históricos,
fundamentais tanto para a construção do percurso e técnica dos fotógrafos e
estúdios fotográficos como para a caraterização do comportamento, aspeto e indumentária
da alta sociedade da época.
Cronologia
das carte-de-visite:
1854-1865
·
A foto é cortada para ser colada num suporte
de cartão flexível.
·
O cartão é branco e muito fino (cerca de 0,5 mm
de espessura).
·
Os quatro cantos da cartolina são em ângulos
retos.
·
As informações no verso são muito curtas,
escritas em preto ou carimbadas.
·
O nome e endereço do fotógrafo são pequenos.
·
A pessoa é fotografada de corpo inteiro.
1866-1875
·
A fotografia é recortada para ser colada num
suporte de cartão.
·
O cartão é branco ou de cor clara: de 1861 a
1866, muitas vezes é cinza-claro ou castanho, de 1869 a 1873, muitas vezes é amarelo,
depois de 1873 aparecem as cores pastel.
·
No verso, aparecem cores suaves com tintas de
impressão (vermelho, roxo, verde, amarelo, etc.).
·
O cartão é mais espesso (cerca de 0,5 a 0,75 mm
de espessura).
·
Os ângulos tornam-se arredondados.
·
Muitas vezes, uma linha ténue de cor emoldura a
foto.
·
O nome e o endereço do fotógrafo estão maiores,
e algumas das suas credenciais e medalhas são mencionadas.
·
Os prémios obtidos na Exposição Universal de
1867 são geralmente listados.
1876-1890
·
O cartão ainda é mais grosso (mais de 1 mm), os
cantos às vezes são arredondados.
·
O papel fotográfico é vendido pré-cortado em
formato de cartão fotográfico.
·
As imagens às vezes são rodeadas por uma
decoração.
·
O cartão é chanfrado e frequentemente dourado,
especialmente a partir de 1890.
·
Em 1875, surgem as fotografias abobadadas para
dar sensação de maior volume.
·
No verso é frequentemente legível, em cor brilhante,
os termos “Fotografia artística”, “Fotografia moderna”, “Fotografia universal”,
etc., em letra gótica.
·
No verso volta a utilizar-se algumas cores
pastel após 1895.
·
Em 1885, a assinatura torna-se maior.
·
As técnicas profissionais utilizadas são referidas:
estúdio com luz elétrica, impressão a carvão, etc.
1890-1920
·
O cartão é sempre muito grosso (geralmente mais
de 1,5 mm).
·
Os ângulos ficaram retos novamente.
·
O verso contém bastante informação e de todos os
tipos.
·
Surgem as leis de proteção aos direitos autorais
contra a reprodução ilegal.
·
A assinatura do fotógrafo ou carimbo em relevo
aparece na fotografia.
·
Em contrapartida, alguns fotógrafos optam pela
sobriedade e não escrevem nenhuma informação no verso e oferecem, na capa do
cartão, apenas o seu nome e a cidade onde se encontram.
·
Por volta de 1910, a frente do papelão costumava
apresentar textura granulada e a decoração tornava-se mais sóbria.
Exemplo de carte-de-visite reproduzida em Inventa MUSEU – Revista da Secção de Inventário, n.º 7, 2018, p. 37
Bibliografia:
PESSOA, Georgina Pinto – “Cartões
de visita: Design e mensagem” in Inventa MUSEU – Revista da Secção de
Inventário. Lamego: Museu de Lamego, n.º 7, 2018. pp. 49-62. Disponível na
internet: <URL https://museudelamego.gov.pt/investigacao/revistas/>.
LIMA, Aline, Moisés Martins,
Madalena de Oliveira - Do carte de visite ao snapshot digital: O retrato
fotográfico e as representações de si. VII Congresso SOPCOM - Associação
Portuguesa de Ciências da Comunicação, Universidade do Porto, 15 a 17 de
dezembro de 2011.
GASTAMINZA, Félix del Valle – “La
carte de visite: el objeto y su contexto” in Cartes de visite, retratos del
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Madrid, 2013, p. 11-32.
BOISJOLY, François - Histoire
de la Photo-carte de visite. 2007. Disponível na internet: <URL http://web.archive.org/web/20080112095841/http://photocarte.ish-lyon.cnrs.fr/Document_Photocarte.php>.