A atual crise mundial provocada pela
pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2) lança um enorme desafio aos museus e
irá, sem dúvida, suscitar novas reflexões sobre o papel e sobrevivência dos
museus e a sua adaptação à nova realidade. Decidi então revisitar o livro La difícil supervivência de los museos (A
difícil sobrevivência dos museus) de
Juan Carlos Rico[1], publicado em 2003.
Esta é uma obra que surge na sequência do seu projeto de investigação que se iniciou com a trilogia Museus, Arquitectura e Arte, no qual o autor aprofunda a relação da obra de arte com espaço expositivo (arquitectura) e no diálogo entre ambos os processos criativos. As publicações ¿Por qué no vienen a
los museos? Historia de un fracaso e La difícil supervivência de los museos, juntamente, correspondem à
segunda etapa desta investigação de Juan Carlos Rico.
Se na primeira fase a difícil relação entre arquitetura e objeto foi o
ponto de partida para o projeto, são as primeiras impressões e os dados obtidos
junto do público que desencadearam esta segunda parte da pesquisa.
A obra ¿Por qué no vienen a los museos? Historia
de un fracaso tem como
base uma nova realidade nos museus, que apesar de nunca terem tido tantos
visitantes como hoje em dia, os estudos de sociologia de turismo de massas
apontam que a satisfação dos visitantes é mínima. A La difícil supervivência de los museos segue-se na sequência desta
reflexão, na qual o autor tenta reflectir de uma forma mais pragmática estas questões
e apontar alguns caminhos que se podem seguir para ultrapassar a crise nos
museus tradicionais.
A problemática central deste estudo é sobre o que reserva o futuro para
os museus ou para os espaços expositivos em particular. Existe um constante interesse em tentar definir o
que será o futuro dos museus, nas instituições e nas universidades. Em épocas
de crise esta preocupação torna-se uma necessidade para se poder atuar e para
profissionais tentarem propor soluções coerentes.
O autor acredita que os museus
ao longo da sua história poucas vezes tiveram de suportar uma situação de
profunda mudança e insegurança como agora. Não sabemos como vai ser o museu no
futuro, nem sabemos se vai continuar a existir, pelo menos na sua concepção
actual.
Devido à sua formação Juan Carlos
Rico toma como exemplo, sobretudo, os museus de arte e a situação das pressões,
que cada elemento que os compõe, o espaço e o conteúdo, suportam, sendo que em
períodos de crise estas pressões aumentam. A cada uma delas tentará dar,
separadamente, uma resposta/solução que poderá parecer específica do ponto de
vista individual, mas que no seu conjunto oferecem um panorama muito mais amplo
de concepção.
O autor adverte, desde logo, que não devemos esperar que seja uma solução
clara e precisa, pois o objetivo deste estudo é tentar contestar a preocupação
crescente acerca do futuro dos museus de uma forma mais realista e científica
possível.
Na primeira parte desta obra
com o subtítulo Del Palácio al museo…
¿Del museo a dónde? o autor
estabelece um paralelismo entre a situação de mudança do palácio para o museu,
que é amplamente analisada no primeiro volume de Museus, Arquitectura e Arte, e a situação atual, pois o autor
entende que é necessário, assim como no passado, uma nova tipologia espacial
que seja capaz de conter com eficácia os novos programas. O autor pretende
expressar irónicamente, através deste subtítulo, a relação que se estabelece
entre as mudanças mais substânciais que os museus têm suportado, que são a mudança
de funções tradicionais do museu (guardar, conservar, estudar e expor), as
pressões da sociedade contemporânea a nível económico e urbanístico, os
problemas espaciais e de conteúdo e a relação entre todas as partes.
No que se refere às pressões
sociais a nível económico é um importante ponto de reflexão para o futuro dos
museus. A rentabilidade dos museus e da cultura e a sua gestão e financiamento
é uma preocupação constante. Este tema provoca sempre uma certa inquietude e é
um aspecto de contínuas reflexões. Não existem respostas unânimes para as questões
se a cultura deve ser rentável ou não, ou se os museus conseguem produzir
benefícios financeiros sem o detrimento da sua qualidade, liberdade e
criatividade.
A segunda parte intitulada El Museo del objeto é uma reflexão sobre
a arte e os objetos como paradigma expositivo e a sua organização no espaço, defendendo
um maior diálogo entre as duas partes, nem sempre fácil de obter.
Alguns caminhos propostos por Juan Carlos Rico para tentar ultrapasar os
problemas que estas mudanças trazem para o museu são a ampliação e o
aprofundamento do museu como centro de investigação teórica e experimental e a
inexorável união com a universidade, mas também com empresas privadas. Outra
solução será estabelecer uma melhor relação entre a arquitetura e o conteúdo,
tentando refletir possíveis alternativas para melhorar o diálogo entre as
partes.
É, sem dúvida, necessário a
reestruturação da posição dos museus dentro da sociedade e da sua relação com
outras instituições implicadas, especialmente a universidade. Desta forma, o
autor atribuí ao museu características de um centro de investigação integrada,
com uma organização muito mais complexa que o antigo centro de documentação, e
de um centro de comunicações artísticas que oferece múltiplas novidades em
relação à expografia que conhecemos. Juan Carlos Rico propõe, neste
sentido, um novo programa diretor para os museus, no qual contempla vários aspetos
a ter em conta, na área dos acessos, do espaço expositivo, do espaço para o uso
comercial e dos espaços relacionados com o funcionamento interno. Neste sentido propõe um protótipo espacial
que vai para além do edifício do museu e integra a relação do museu com as
universidades e outras empresas.
A reflexão do autor, ainda,
contempla a evolução dos espaços actuais de outras tipologias de museus que
foram surgindo, como os museus abertos ao ar livre e os museus virtuais na
rede.
A terceira parte dedica-se aos
Los museos de representación, ou seja
a museus sem objetos, no qual apenas se simula os objetos através do uso da tecnologia.
O autor dá a conhecer ao leitor como se analisa e “expõe” estas novas coleções
de peças tecnológicas, dá-nos a conhecer as suas características e exigências
expositivas a nível do espaço, da conservação e segurança.
A quarta parte desta obra responde à questão «Que pode fazer a
arquitectura pelos museus?», apresentando propostas e projetos realizados por
equipas de universidades espanholas e estúdios de arquitetura privadas com a
colaboração do autor. Os museus de objetos e os museus de representações
necessitam de procurar novas diretrizes espaciais, em todo o caso podem
utilizar referências históricas, mas com critérios renovados. Estes projetos,
segundo o autor, devem basear-se na investigação e experimentação, reforçando a
ideia de que parceria com as universidades é uma grande ajuda. Juan Carlos Rico
termina esta obra reforçando a ideia de que um projecto espacial deve
adaptar-se às necessidades de cada diferente tipologia de museu.
Dois novos conceitos convergem neste trabalho de investigação: a rejeição
da especulação teórica e promoção da eficácia colectiva. O autor defende que a
investigação teórica deve ser sempre seguida pela experimentação, como acontece
nas ciências exatas, onde a investigação e experimentalismo estão sempre
associados. É uma posição cada vez mais defendida no seio das ciências sociais
e humanas, uma metodologia rigorosa de investigação atribui ao estudo uma maior
credibilidade, assim como o facto de um projeto necessitar de uma equipa
interdisciplinar para se tornar mais rico e eficaz.
No entanto, apesar de defender o racionalismo e rigor necessário na
investigação, afirma que é importante que o investigador desenvolva critérios
pessoais para poder formar uma personalidade profissional própria, algo que o
diferencie de outros investigadores, nas palavras de Juan Carlos Rico é o
processo “criativo” da investigação.
As soluções enunciadas nesta obra, que são meras especulações teóricas, são
trabalhadas individualmente e com mais detalhe na sua obra La caja de
Cristal, un nuevo modelo de museo, de
2008 na qual tenta encontrar um protótipo espacial abstracto que defina a nova
organização de todos os componentes que venham a substituir o programa já
obsoleto do museu atual.
Este é de facto um projeto de
investigação rigoroso e pertinente que proporciona ao leitor uma reflexão
sistematizada por etapas dos problemas que surgem no campo museológico e das
possíveis soluções que poderão ser seguidas pelos museus com o intuito de
ultrapassar as dificuldades impostas pela sociedade contemporânea em constante
mudança e cada vez mais exigente.
[1] Juan Carlos Rico, formado
em arquitetura e história de arte, é conservador de museu, investigador e
docente universitário.
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